quarta-feira, 15 de junho de 2011

Pelo Direito de Ser Humana

Para ser feliz hoje, o meu corpo deve funcionar como uma máquina para qual tenho uma diversidade de aparelhos, procedimentos e suplementos que garantem seu funcionamento e aparência perfeitos.
Ser feliz também significa aparentar alegria e contentamento diuturnamente. Semana passada uma amiga me pediu desculpas por não ter sido uma companhia agradável e estar passando por um momento emocionalmente difícil. Como assim?! Pedir desculpas por não ser 100% feliz? Quer dizer que a nossa amizade só serve para desfrutarmos momentos de júbilo? Será que não podemos ficar tristes juntas, sentir toda a nossa dor e nos auxiliarmos mutuamente a superá-la?
Parece que ser amigo significa apenas ter alguém para se divertir e vivenciar o lado prazeroso da vida. Amigos, marido, namorado e família só servem para manter meu coração feliz e minha cara risonha. E me esqueço de que não é possível construir essa relação harmônica se não entrar em contato com o lado B da vida. Lembra do Cisne Negro? Pois é.
Tenho a sensação de que vivemos num mundo que não tolera o lado humano de cada um de nós. Estar bem significa habilidade de não se envolver, de não se abalar, não adoecer e não sofrer com a dor do outro, almejando o entorpecimento de uma felicidade eterna e isso tem nos tornado bastante intolerantes. Qualquer pessoa que tenha a habilidade de nos colocar em contato com nossa sensibilidade ou que minimamente nos incomode já não nos serve mais.
Evitamos a todo o custo o tédio e os conflitos interpessoais na crença íntima de que me envolvendo menos eu sofrerei menos. Como diria Zygmunt Bauman, hoje “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a contigüidade física não determina mais a proximidade”.
Diante da dor, sozinhos e desprovidos do direito de senti-la seguimos trabalhando (muito!), racionalizando sentimentos, consumindo próteses de identidade que auxiliam a dissimular essa agonia: drogas, auto-ajuda, o light, o diet e os produtos culturais diversos de maneira vertiginosa.
Não podemos demonstrar fragilidade, pois corremos o risco de sermos julgados como indivíduos inferiores, portanto descartáveis para um mundo entranhado da ideologia capitalista de que tudo, até os relacionamentos, têm que oferecer alguma possibilidade de lucro real. Lucro que é sinônimo de dinheiro, que parece com felicidade.
Então, é pelo direito de ser humana é que eu escrevo esse texto. Por um mundo onde todos percebam que por mais que tentem nos convencer do contrário, ainda somos feitos de carne, osso, sentimento e coração.

“Fundamental é mesmo o amor. É impossível ser feliz sozinho...” (Tom Jobim)

Francielle

3 comentários:

Anônimo disse...

Fran, poucas pessoas querem conhecer nossas fraquezas, pois estão mto ocupadas em disfarsar as suas. Infelizmente vivemos numa sociedade de aparências e somos ensinados a não demonstrar sofrimento desde criança.
Tb quero ser humana e estar chata, chorosa e reclamona alguns dias sem ser censurada. Me junto à vc neste protesto!
Obrigada por nos presentear com seu texto.

Lorena G. Bragança disse...

Concordo plenamente com cada palavra que vc disse, Fran. Infelizmente, hoje, não ser ou não aparentar estar bem/feliz pode virar até motivo de "bullying". Incrível como o ser humano é superficial a tal ponto e esquece de SER humano...

Ângela Nery Soares disse...

Ai Diva!!Que texto maravilhosoooooooooo, sabe que apesar das recriminações sociais, me permito ser humana, cheia de crises, dias bons, dias ruins, dias péssimos, dias excelentes...é uma libertação, e confesso que pago o preço por isso, mas vale não só a pena como a galinha inteira.Estou contigo nessa campanha " pelo direito de ser humana!!".Mil beijos