terça-feira, 13 de março de 2012

Porque não gosto do poema do Vitor Hugo

No dia 8 de março o facebook foi invadido por uma onda poemas, imagens e homenagens às mulheres. Agradeci todas que foram direcionadas para mim. O Dia da Mulher foi criado para que todas as pessoas se lembrem da luta feminina por igualdade de direitos, tal qual estabelece a Constituição Federal.

Mas o que motivou este post foi que por causa desta data relevante acabei tendo acaloradas discussões com alguns amigos (homens).  Um deles soltou frases provocativas só para me irritar, um outro disse que existe sim igualdade no mercado de trabalho e na sociedade, o que não posso concordar. Mas o debate mais acalorado foi com o que postou em seu facebook o poema “O homem e a mulher”, de Vitor Hugo.
Como o poema é grande, não vou analisar frase a frase. Mas vou apenas pontuar alguns versos. Ao final, coloquei na íntegra caso você tenha paciência para lê-lo. Ele inicia assim: “O homem é a mais elevada das criaturas. A mulher é o mais sublime dos ideais. (...) O homem é o cérebro; a mulher é o coração. O cérebro fabrica a luz; o coração produz Amor.”

Lindo. Mas nos coloca na mera condição de enfeites. Incapazes de sermos racionais, pois somos apenas coração. Começo a pensar que então é melhor não gastarmos nosso tempo em universidades, produzindo ciência ou trabalhando na bolsa de valores. Afinal, cérebro foi feito para ser usado apenas pelos representantes do sexo masculino.

“O homem é forte pela razão. A mulher é invencível pelas lágrimas. A razão convence. As lágrimas comovem.” Sério mesmo que vou ter sempre que usar o choro como argumento?! Cada vez que eu quiser me posicionar perante alguém, ao invés de usar a inteligência e meus conhecimentos adquiridos ao longo de 30 anos vou ter que apelar para as lágrimas. Sinto dizer, mas nem chorar na frente dos outros eu gosto!

“O homem pensa. A mulher sonha. Pensar é ter no crânio uma larva. Sonhar é ter na fronte uma auréola.” Mais uma vez nos chamando de burras, ingênuas e lunáticas. Nem vou comentar!

Pulando alguns muitos versos, o poema termina assim: “Enfim, o homem está colocado onde termina a terra. E a mulher onde começa o céu.” Querer nos colocar na condição de anjos terrenos é apenas um pretexto para continuar nos tratando como seres inferiores.

Sinto muito, mas não posso me sentir lisonjeada com isso. Isso não significa que eu não seja feminina e não goste de ser agradada. Pelo contrário. Adoro ser cuidada, receber gentilezas e ser tratada com delicadeza. Mas estes tratamentos são agradáveis a qualquer ser humano. Seja homem ou mulher. Portanto, não me reduza à um mero objeto de decoração.

 Ana Carol

O Homem e a Mulher

Victor Hugo

O homem é a mais elevada das criaturas.

A mulher é o mais sublime dos ideais.

Deus fez para o homem um trono.

Para a mulher, um altar.

O trono exalta.

O altar santifica.

O homem é o cérebro; a mulher é o coração.

O cérebro fabrica a luz; o coração produz Amor.

A luz fecunda.

O Amor ressuscita.

O homem é forte pela razão.

A mulher é invencível pelas lágrimas.

A razão convence.

As lágrimas comovem.

O homem é capaz de todos os heroísmos.

A mulher, de todos os martírios.

O heroísmo enobrece.

O martírio sublima.

O homem tem a supremacia.

A mulher, a preferência.

A supremacia significa a força.

A preferência representa o direito.

O homem é um gênio; a mulher, um anjo.

O gênio é imensurável; o anjo, indefinível.

Contempla-se o infinito.

Admira-se o inefável.

A aspiração do homem é a suprema glória.

A aspiração da mulher é a virtude extrema.

A glória faz tudo grande.

A virtude faz tudo divino.

O homem é um código.

A mulher, um evangelho.

O código corrige.

O evangelho aperfeiçoa.

O homem pensa.

A mulher sonha.

Pensar é ter no crânio uma larva.

Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano.

A mulher um lago.

O oceano tem a pérola que adorna.

O lago, a poesia que deslumbra.

O homem é a águia que voa.

A mulher é o rouxinol que canta.

Voar é dominar o espaço.

Cantar é conquistar a alma.

O homem é um templo.

A mulher é o sacrário.

Ante o templo nos descobrimos.

Ante o sacrário nos ajoelhamos.

Enfim, o homem está colocado onde termina a terra.

E a mulher onde começa o céu.


4 comentários:

Luana Carvalho disse...

Adorei o post, concordo plenamente com suas ideias,beijos!

Ana disse...

Eu concordo com o seus argumentos em relação ao poema. Mas Victor Hugo nasceu em 26 de fevereiro de 1802 e naquela época, infelizmente, as mulheres eram sim enfeites na vida de um homem, apesar de muitas já lutarem contra esta subordinação.
O poema nada mais é que retrato de uma época e o acho belo para o tempo em que foi criado. Agora os homens do nosso tempo não deveriam usar este tipo de comparação para agradar uma mulher. Ainda mais neste século XXI, onde nós mulheres ganhamos mais e mais espaço e conseguimos ser mais racionais do que muitos homens.

AnaLu Oliveira disse...

Concordo contigo, Ana. Ouvi este poema em um casamento e confesso que foi lamentável saber que um cara tão brilhante tinha uma idéia tão machista...

Triste...

Francielle Felipe disse...

(O MEU COMENTÁRIO SERÁ LONGO...MAS SE QUISEREM REFLETIR COMIGO, LEIAM ATÉ O FIM)
A estreiteza do pensamento masculino que acredita que em 50 anos de revolução feminina conseguimos modificar séculos de dominação e coerção da sexualidade da mulher me espanta!

Igualdade é poder desfrutar de todos os espaços e possibilidades pelo simples fato de ser um humano. Um homem não precisa provar sua capacidade ou respeitabilidade para ninguém por que ele é homem, nasceu assim. Tudo que vier a fazer em termos de força física, comportamento sexual e social estão justificados na sua condição de gênero masculino. A mulher pelo contrário, não garante sua respeitabilidade e liberdade pelo simples fato de ser mulher. Precisa provar que é respeitável e necessita conquistar a sua liberdade. Respeito este que em linhas gerais advém do controle/ sublimação de sua sexualidade a um patamar diferenciado do masculino que seria meramente instintivo, alimentando crenças de que mulheres não fazem sexo, só amor e outras coisas do mesmo estilo que fazem com que a sociedade tenha certas expectativas com relação a uma mulher digna de respeito que interferem no seu comportamento social, na maneira de vestir, de se expressar e etc. Essa mulher respeitável também precisa ter nascido para casar e ter filhos em uma relação heterossexual. Qualquer desvio deste padrão a coloca na condição de messalina e desnaturada. Essa mulher respeitável, para conseguir liberdade, carece de poder econômico. A mulher que não é independente financeiramente, não tem o direito de almejar outros papéis sociais que não sejam os de esposa e mãe. Afinal, na sua condição de anjo, o que haveria de mais importante que auxiliar Deus no povoamento da Terra?

A mulher que não tem dinheiro não tem direito a ter vontades, nem desejos. Também não pode questionar, por que senão apanha do marido em casa e por consequência, não pode denunciá-lo, afinal, como ela irá sobreviver se ele a colocar para fora de casa? Quem irá sustentar seus filhos? Com quem ela pode contar? Como provar que ela não mereceu a surra e foi sim uma violência?

Então meus queridos, não há igualdade. Eu posso hoje me afirmar uma mulher livre e moderna por que eu tenho ensino superior, duas pós-graduações, um mestrado, trabalho em três lugares diferentes e assim consigo ter uma renda que me possibilite isso. O meu marido enquanto isso, tem apenas um curso tecnólogo superior e ganha duas vezes mais que eu.

Para me fazer respeitada eu também preciso estar em forma, ser bonita, bem vestida e simpática, caso contrário irão pensar: “se ela é gorda e mal arrumada, não tem condições de cuidar de uma empresa, de uma sala de aula em uma universidade, afinal, não consegue nem cuidar bem de si mesma!” (sim, eu já ouvi um diretor de faculdade dispensar uma professora por este motivo). Enquanto isso, meu marido está ficando careca e barrigudinho, e no trabalho dele este fato não o coloca em situação de risco.

Se alguém não tivesse inventado a pílula anti-concepcional, eu não poderia ter alcançado nada disso, pois que eu não conseguiria fugir do impositivo de fazer sexo e consequentemente procriar, deixando de lado a minha carreira e capacitação que possibilitam a minha independência financeira. Aliás, eu nem poderia fazer sexo apenas por prazer...

Anjos são assexuados, não têm desejos, não têm vontade, não questionam os impositivos divinos que se manifestam através da natureza biológica do seu ser. Os anjos obedecem, trabalham exclusivamente pelo bem do outro e nunca pensam em si mesmos. Anjos são lindos bibêlos que calados, cumprem sua função de enfeitar o espaço.
Então não me venham falar em igualdade!