Hoje eu acordei pensando na minha
pesquisa de mestrado e em tudo que ela me ensinou. Ela tem como tema central a
investigação dos recursos utilizados por diretores de cinema brasileiros para
representar os ciganos no documentário brasileiro. Minha hipótese se comprovou.
O método mais empregado para construção das imagens analisadas é a estereotipia.
No caso dos ciganos, estereótipos negativos, não discutidos ou questionados nos
400 anos da presença deles em terras brasileiras, apenas reforçados pelo cinema
como se aquilo fosse a única verdade em torno do tema. São imagens que dizem da
submissão feminina, o nomadismo selvagem, o ocultismo e a leitura de sorte, a
sujeira e a falta de higiene, o marginal e o ladrão.
O
estereótipo funcionaria como “teorias do senso comum”, que laboram para tentar
abarcar toda a complexidade de um objeto, visando facilitar a comunicação e
orientar o relacionamento entre indivíduos e acabam por intervir no imaginário
social acerca de sujeitos ou grupos. O estereótipo enquanto estratégia de
redução de toda a variedade de atributos de um povo a alguns atributos essenciais,
encoraja um conhecimento intuitivo sobre o outro e ajuda a demarcar fronteiras
simbólicas entre o “nós” e “eles”.
E
qual o problema disso tudo? Não vou me ater a discutir todas as imagens e as
perspectivas sócio-históricas e culturais da pesquisa, por que este post não é
para falar disso. Daqui uns dias publico um livro e vocês podem ler
detalhadamente as 120 páginas desta investigação. O fato é que estereótipos são
aprisionantes, não franqueiam ao outro que estereotipamos a oportunidade de ser
diferente daquilo que pensamos sobre ele, não abrimos possibilidade para o
encontro, ao intercâmbio, à mudança de nossos paradigmas pessoais e para a
surpresa de conhecer aquilo que já pensávamos saber. O problema é que quando
pensamos conhecer algo sobre o outro, muitas vezes não estamos dispostos a
flexibilizar o olhar, ver de uma nova perspectiva, com uma luz diferente e por
fim, surge o preconceito.
Quantas
vezes eu nas rodas de amigos, ao expor minhas conclusões e insights da pesquisa
ouvi: “Não, mas isso que você relata não é cigano de verdade. Cigano de verdade
é assim, é assado. Eu sei! Eu via os ciganos lá no interior, próximo à fazenda
da minha avó”. Eu retrucava: “Você conversava com algum deles?” e a resposta
quase sempre era: “Não, eu tinha medo. Pavor de cigano!”.
Bem,
eu disse que o tema deste post não eram os estereótipos negativos em torno das
imagens construídas no Brasil sobre ciganos. Esta postagem é sobre como eu
finalmente aprendi sobre o que discutia na teoria e sobre como vivenciei a dor
daqueles que estudo à minha maneira. É que de repente me vi vítima de
estereótipos criados por pessoas muito próximas de mim. Senti-me encaixotada,
sem possibilidade de ação. Como se nada que eu fizesse fora daquele espaço a
mim designado fosse legitimado.
Assim
como os ciganos, precisei me afastar para me proteger. Montei meu acampamento
emocional bem distante da dor, mesmo sendo aquele um lugar desconfortável, sujo
e frio, mas pelo menos ele era seguro. Também precisei, como um marginal, me
defender com violência, para que respeitassem as minhas fronteiras. Se o
respeito não viesse pela compreensão, que pelo menos ele surgisse fruto do medo
da minha voz alta! Depois, eu me calei. Como um cigano da cidade, eu me
disfarcei, deixei minhas vestes tradicionais no meu baú emocional em casa e me
reintegrei à sociedade, disfarçada de pessoa comum, vítima de normose,
exatamente da forma como esperavam que eu fosse. Mas quando alguém descobria
que eu estava disfarçada, precisava fugir, voltar a ser nômade ou uma nova onda
de intolerância poderia me atingir.
Aos
poucos e com um certo esforço, fui construindo uma nova forma de viver e de me
posicionar de maneira autêntica para não ferir a mim mesma, mas distante o
suficiente para que não fosse ferida.
Viver
a dor do preconceito, fruto do estereótipo mesmo em escala menor e num âmbito
totalmente subjetivo me fez pensar: quantas vezes não agi da mesma forma com as
pessoas que amo e as demais que me rodeiam? Quantas vezes não fui capaz de
ouvi-las e compreendê-las, pois as coloquei em caixinhas blindadas pelo o que
já sabia sobre elas e não as ofertei oportunidade de agirem diferente daquilo
que imaginava? Quantas vezes não fui eu a opressora? Fui invadida por uma
ressaca moral de uma vida inteira.
Finalmente
aprendi o que queria que os outros internalizassem ao ler minha dissertação.
Dizem que a gente só é mestre quando aprende a lição, que ninguém ajuda ninguém
a chegar a um lugar emocional que desconhece, que a palavra empolga, mas o
exemplo é que arrasta...Pois bem, diante disso, posso dizer: peguei meu título
de mestre tem alguns meses e não há um ano e meio como imaginava. E se me
permitissem uma única recomendação para 2013 eu diria: estendam racionalmente
olhos de compreensão e tolerância aos que te cercam. Façam o exercício de serem
fraternos e se colocarem no lugar do outro nas próximas 365 oportunidades que
teremos pela frente. Exercitando bondade e tolerância é que aprenderemos a ser
bons e a amar verdadeiramente.
Feliz
2013!
3 comentários:
Ótima reflexão. Me sinto bem assim também. Nem sempre os outros estão prontos para entender nossas escolhas, mesmo os que gostam de nós.
Já me ví nas duas posições: de oprimida e de opressora. E hoje vivo um momento bem singular: realmente não importo com o que pensam sobre minhas escolhas. Levo em consideração os conselhos carinhosos. Mas não significa que eu vá acolhê-los. E tento não me impor. Afinal, como diz o poeta: "Cada qual sabe a dor e a delícia de ser o que é".
Fran, ótima reflexão. Momento de muita maturidade e crescimento, sempre que somos capaz de perceber e de compreender o outro isso é maturidade do senso moral.
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